SEGUE O SOM #33

Entrevista com Djonga | Pente Fino | Maui e mais...

SOS #33 | hoje é com calma

Pega um café porque o Djonga não economizou nas respostas. Quem ganha é a gente. Aproveite!

🪮 PENTE FINO
Seleção dos principais lançamentos da semana.

[álbum] Marina Sena - Coisas Naturais
Tá no mundo o terceiro álbum da cantora de Taiobeiras. “Anjo”, “Combo da Sorte” e “Mágico” não saem dos meus fones. Muitos pontos altos e alguns baixos, mas num geral vale com certeza a audição.

[álbum] Sambabook - Sambabook Beth Carvalho
Que preciosidade!! Sou apaixonado pela Beth Carvalho e uma obra como essa é fundamental para deixar o legado dela vivo. Adorei a seleção dos cantores.

[single] Mahmundi - Irreversível
Eu gosto muito da voz da Mahmundi e da singularidade das suas composições. Essa nova faixa aponta para um novo caminho, tem um quê de drum n bass e tenho gostado bastante de ouvir.

[single] Maui - Comemorar?
Adorei essa faixa e a indicação que o Maui vai passar a explorar novas sonoridades. Ainda tem bastante da voz melódica, mas com mais influência do funk. Escrevi um pouco mais sobre no fim da news.

[álbum] BIN - Para Todas As Mulheres Que Já Rimei Pt. 2
Ainda não ouvi o disco todo, mas gosto bastante do BIN. O que eu já ouvi o vol. 1 é brincadeira. Curto da vulnerabilidade que ele não tem problema em esconder e da voz característica.

[EP] ENME - MOVEDIÇA
Tenho ficado cada vez mais atento aos lançamentos dela. Com participações de FBC e Uana, o novo EP mescla elementos de trap, afrobeat, amapiano e reggae.

[EP] Maskotte - Nota 10
Baixada é cruel, os sinistros são de Bel! Misturando drill e grime com o batidão do voltmix, Maskotte entrega um EP muito maneiro. Eu adorei “Belford Roxo”, sobretudo o clipe.

[álbum] Vários Artistas - MARÉS
Que descoberta maneira! A Coletânea ‘Marés’ reúne carimbó, tecnobrega e indie na nova cena musical do Pará, tendo destaque a cena feminina, LGBTQIAPN+ e periférica, ampliando a representatividade do território.

💬 ENTREVISTA EXCLUSIVA
Djonga: faminto!

crédito: @coniiin

Hoje tenho a honra de receber um dos maiores artistas da geração, que é hip hop até os ossos e tirou um tempinho para responder com calma às minhas perguntas. Djonga é um acontecimento. Coleciona clássicos modernos como se fossem nada e segue na linha de frente do rap no Brasil. O assunto foi “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto”, seu lançamento mais recente.

Djonga, seu novo álbum não é pra quem tá com fome - pelo menos foi como eu interpretei. Não dá pra querer sentir tudo rapidamente, tem que degustar… Observei como esse talvez seja seu trabalho mais técnico e queria entender o que mudou no seu processo de composição para fazer o disco.

Eu acho que esse disco realmente é um pouco mais denso, né? Tem muitas nuances, muitos detalhes. Acho que talvez técnico não seja a palavra, mas eu acho que a nossa técnica tá realmente aprimorada, talvez passe por isso também. Esse é o trabalho que eu fiz mais consciente de onde eu estava querendo chegar, talvez, musicalmente falando, foi o processo que eu fiz mais consciente desde o início, tá ligado?

Acredito que ficar um ano sem lançar foi bom nesse sentido – na verdade fiquei um ano e meio sem lançar nada. Os feats e as coisas que eu lancei vinham em uma vibe um pouco diferente, que era uma vibe que eu queria experimentar, então isso também foi bom, tá ligado? Isso tirou um pouco da responsabilidade de estar sempre falando aquelas coisas sérias que a galera espera de mim normalmente, então isso me deu um respiro pra pensar em outras coisas e pra conseguir colocar... eu troco muita ideia disso com os meus parceiros da música e tal... que a galera fala muito “ah, tá falando a mesma coisa”, mas eu acho mesmo que a gente está sempre falando sobre as mesmas questões. De perspectivas diferentes, usando palavras diferentes, mas as questões, de modo geral, acabam sendo as mesmas, porque a sociedade infelizmente em algumas coisas ainda não evoluiu, em outras ela vai mudando, mas a nossa opinião continua parecida.

Então acho que o grande lance é que nesse trabalho o que mudou foi o tempo. O tempo é bom, tá ligado? Acho que a grande mudança nesse trabalho é o tempo.

Dá pra sentir uma espécie de mea culpa em alguns momentos, uma autocrítica mesmo - algo que você até comentou no PodPah. Olhando pra trás, faria algo de diferente em algum disco ou composição?

Não tem muito esse lance de mea culpa não... eu acho que o que eu faço está feito, tá ligado? Esse bagulho de ficar muito preocupado com a opinião das pessoas eu acho meio tosco, principalmente pra gente que tá numa posição de alguma forma de destaque, não adianta, porque, no fundo... isso eu passei a entender com o tempo... no começo, eu achava que alguma coisa que eu fizesse A ou B ia acabar agradando a galera e acabar deixando as pessoas um pouco mais confortáveis, mas eu descobri com o tempo que, independentemente do que eu fizesse, a opinião das pessoas sobre mim basicamente continuaria sendo a opinião das pessoas sobre mim, sobre o meu trabalho. O ser humano tem algumas coisas que são meio difíceis de explicar, tá ligado? O ser humano às vezes tem aquela coisa assim “gosto desse cara e só gosto dele e vou fazer tudo por ele e falar bem dele bababá” ou “não gosto desse cara e não vou gostar dele de jeito nenhum”, tá ligado?

Acho que o lance é meio esse, tem coisas que eu fiz que não deram tão certo ou, na verdade, assim, eu não posso falar... para ser bem sincero, não teve nenhum projeto meu que eu falo que não deu certo, porque os números são sempre muito maiores que de muita gente. Então acho que tem coisas que eu fiz que não chegaram aonde eu achei que ia chegar, tá ligado? Em números. Tem coisas que eu fiz que eu sabia que ia ter um impacto, por exemplo, “Inocente” eu fiz sabendo do impacto dele, e eu percebi que até hoje as pessoas não entenderam. E é louca que a relação com quem é seu fã, quem gosta de verdade de você – não é nem que gosta, mas quem te acompanha – a relação tá sempre muito no lugar de observação das coisas que cê fala, das coisas que cê quer passar durante a caminhada, não só uma música ou outra. Então, quem me acompanha, velho, quando eu troco ideia é muito louco, porque essas pessoas sempre falam: “não, quando você fez o ‘Inocente’ eu lembro que você tinha falado que queria mesmo explorar essa vibe e tal”. Então não foi um bagulho tipo assim “o cara tá fazendo porque ele está se vendendo” ou qualquer porra dessas expressões idiotas que existem aí. Foi um lance que eu queria, eu precisava fazer aquilo, mas eu acho que infelizmente tanto algumas pessoas que são maldosas quanto a galera da mídia não faz tanta questão de citar ou de prestar atenção nisso, até porque a polêmica é muito mais importante, foi uma coisa que eu disse no processo.

Eu falei: “gente, eu quero experimentar novas ondas”. Então o que mais me incomoda nesse processo é ver as pessoas falando como se eu não estivesse totalmente consciente de que o que eu estava fazendo ali era diferente. Eu faço música, eu faço arte, eu sou livre para fazer isso e eu vou me manter assim até o último dia da minha vida. Então não tem muito esse lance de mea culpa, não. Eu acho que as coisas que eu faria diferente... quem fala que nunca faria nada diferente é louco também... mas as coisas que eu faria diferente seriam na minha vida, sabe? Uma atitude que eu tomei, uma palavra mal falada pra minha mãe, pro meu pai, pra alguém que eu amo, sabe? Agora, na minha carreira, a única coisa que eu faria diferente eu acho... o pior é que eu não faria nada, velho.

Quando eu falo assim, como eu falei no PodPah, eu falo de quando eu fiz uma turnê e tomei vários prejuízos... Porra, eu fiquei bem chateado na época, aquele lance todo. E aí vem minha mãe e me fala assim: “Filho, você cumpriu o seu objetivo. Você fez o que alguns artistas maiores que você não tiveram coragem de fazer. Você disse ‘vou fazer uma turnê e fez a turnê, do começo ao fim’, tá ligado? Então, acho que o lance passa por esse lugar também. Por mais que tem coisa que eu fale: “caralho, perdi mó grana. Talvez tô passando uma situação hoje financeira que eu não estaria passando se não fosse aquela época”. Mas, mano, o que a turnê significou, tá ligado? Porra, não tem o que falar.

E do que mais se orgulha?

Eu acho que a gente não pode se condicionar pela opinião dos outros pra falar do que a gente se arrepende, do que a gente se orgulha no nosso trampo. Do meu trampo eu me orgulho em tudo. Principalmente pela nossa coragem: a coragem do nosso bonde, a coragem da nossa família, a coragem de quem tá com a gente. O que eu mais me orgulho é da coragem, sempre.

É impossível não mencionar sua participação com Milton Nascimento, a voz de Deus, o cara que de certa forma você homenageou no seu primeiro álbum. Imagino o quanto significou pra você esse encontro, mas gostaria de saber o que você aprendeu com o Milton durante o processo de conhecê-lo e gravar com ele.

O que eu mais aprendi com o Milton, e com o Samuel [Rosa] também, foi o lance da vontade. Eu acho que isso trouxe uma energia quase espiritual nesse trabalho, todo mundo que fez parte desse trampo tava com muita vontade, com muita força, gana de fazer o bagulho acontecer, e isso combinou com o tema do disco, né? “Quanto mais eu como, mais fome eu sinto”. Fiquei pensando e falei “caralho, mano, por que o Samuel Rosa tá preocupado com essa porra? O cara já fez o que ele tinha que ter feito”, vamos falar assim, o cara já chegou em todos os lugares, já atingiu todos os patamares.

Aí você olha pro Milton e fala “Milton é sem palavras”, né? Milton é reconhecido não é em BH, não é no Brasil, é no mundo inteiro, é número um do mundo, pra mim e pra muita gente também. Você vê o documentário dele, tá de gente nova à gente mais velha, à gente que não tá nem viva mais elogiando o cara e falando que ele é o número um. Então, assim, o cara querer gravar em pé, tá ligado? O cara anotar nota por nota da letra, a letra e a melodia tava gravada, era simplesmente ele ouvir o que eu tava cantando e repetir... mas não, ele escreveu letra por letra, nota por nota no papel embaixo de cada palavra.

Então assim, eu acho que eu aprendi muito sobre esse lance da vontade e, sobretudo, o respeito com o trabalho do outro. E nesse sentido eu me identifiquei, porque independente de qualquer parada, sempre que eu vou participar de uma música, pode ser uma música do artista menor, do artista grande, eu tento me colocar mesmo na parada, sacou? Tem hora que eu falo assim “caralho, será que eu tô até jogando essa rima fora?” Porque essa música talvez não vai ter tanto ouvinte e tal... mas foda-se, né? Tem que se colocar no trabalho.

E ver o Milton se colocando ali foi muito potente pra mim, foi emocionante. Fora isso, o fato de existir uma relação pessoal também, de ter uma troca de conversa, de ideias, de aprendizado, saca? Isso me deixa muito feliz e pra mim isso vem num lugar mais importante do que a música, vem de um lugar de ancestralidade. É um cara preto de 82 anos. Então quando eu tava conversando com ele, eu ouvi minha avó ali também, sabe? Eu ouvi uma energia muito maior do que só de música.

Outra faixa que me chamou a atenção foi “AINDA” com a Dora Morelenbaum. É a mais experimental, mais orgânica e que aponta para caminho que enquanto fã eu gostaria de te ouvir mais vezes - uma pegada orgânica (com naipe de metais), sabe? Pode me contar um pouco mais sobre como foi o processo de criação e desenvolvimento da música?

Então, “AINDA” foi uma música que foi surgindo com o tempo. Eu lembro quando o Coyote me mandou esse beat, e eu ficava pensando ali a melodia enquanto estava indo pra academia e tal e fiquei pensando “achei a melodia, não achei as palavras”. Aí, de repente, achei as palavras. Na hora de gravar, não dava encontro, sabe? Não dava encontro da melodia com as palavras, com o beat. Ficou meio estranho. E era exatamente o refrão. Mas já estava tudo escrito, porque ele tinha escrito a melodia, já tinha escrito as palavras. Como é que faz? E aí, numa troca de ideia com o Luna, eu falei “mano, talvez falte uma voz para somar, pra ficar zero mesmo”, sabe? Estava faltando uma camada, vamos dizer assim.

E, velho, o Luna foi um coprodutor desse disco junto com a gente... na hora ele falou: “acho que a gente tem que pensar num arranjo assim, numa coisa mais orgânica, trazer algumas coisas, e junto com isso a gente traz uma voz feminina, mas que seja forte também, que tenha uma característica diferente, não seja simplesmente aquele lance clichê”. E eu já acompanhava o trabalho da Dora, então na hora que ele falou dela, eu já tinha pensado nela, sabe?

Eu acho que esse disco tem muita ideia de energia espiritual. De um modo geral, do começo até o fim, ele foi acontecendo. Daí chamamos a Dora e um dia antes a gente trocou com a galera dos metais, que já vieram, assim, trazendo aquela paranpapanpan... E aí, de repente, o Tiaguinho Lisboa, que participa de “Da Lua”, inclusive, no “Inocente” falou: “Vamos colocar um baixo elétrico, uns cordas, teclado”. E aí chamou o Adalberto também, que chegou e colocou mais pressão ainda na parada. E a música foi crescendo. Esse disco tem uma produção bem colaborativa, consegui fazer ele do jeito que eu fazia o bagulho lá no comecinho, conversando bastante com meus amigos. E quando a gente conversa com os amigos da gente, desde os que mais entendem de música aos que menos entendem, a opinião sincera e a vontade de fazer o trabalho ficar legal, traz junto os melhores conselhos. Então, assim, foi bem legal isso também.

Eu gosto e ouço muito mais no meu dia a dia a canção, a música mais orgânica, samba, MPB... eu não sei se eu gosto muito desse termo, mas... eu ouço muito mais rock, disco music pra caralho, sacou? Muita coisa anos 80, sintetizador, que inclusive eu acho que eu trago nesse disco. E acho que, de alguma forma, você tá meio enganado quando você diz que “AINDA” é a música mais orgânica. A música com o Samuel é bem orgânica também, a gente tem muita coisa de sintetizador, só que tocadona, assim, tá ligado? Não é sample nem nada. E muita guitarra, muito baixo durante o trampo inteiro. Isso foi uma vibe que a gente tentou trazer pra esse disco do começo ao fim. Mas eu ouço muito mais isso no meu dia a dia do que o rap em si. Então, acaba que vai surgindo de uma forma natural também. Enfim, aguarde cenas dos próximos episódios...

📡 NO RADAR
Porque o novo sempre vem.

crédito: Wander Scheeffër

Conheci o trabalho do MAUI com o excelente EP “Rubi”, de 2023. Desde então fiquei de olho nos seus lançamentos e o que mais me chama a atenção é sua versatilidade. Não à toa ele tem feito feats com grandes nomes como BK e Luccas Carlos, além de ter um pagode que leva seu nome. Bom, agora cantor lança a excelente “Comemorar?”, faixa que propõe um olhar mais profundo sobre o que a ascensão social representa para quem vem da periferia. Não se trata só de ter, mas de representar. Por isso, a comemoração vem com um ponto de interrogação — ela não é óbvia, não é simples, nem sempre leve.

Ele comenta: “Ela retrata esse jovem que está ascendendo socialmente e que vem de um lugar de escassez e como isso faz que seja muito importante se validar. Pode até ter uma pitadinha de soberba também que vai fazer mais sentido na história do álbum, mas por enquanto quero que soe como a música do primeiro checkpoint do processo de vitória de geral da favela”.

Salve! Aqui é o Pietro Reis, sou jornalista, pesquisador musical, influenciador e criador do Segue o Som.

Minha ideia com essa newsletter é reunir tudo de mais interessante que vem acontecendo no mundo da música e fazer o que mais amo, entrevistar. Sendo assim, toda segunda-feira você recebe um email com os melhores lançamentos da semana, um papo exclusivo, as principais notícias do meio musical e indicações.

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Revisão: Karoline Lima