SEGUE O SOM #39

Entrevista com Rubel | Pente Fino | Jadsa e mais...

SOS #39 | semana histórica

Acompanho os lançamentos há anos, mas acho que essa última semana foi histórica. Muita coisa boa mesmo.

🪮 PENTE FINO
Seleção dos principais lançamentos da semana.

[álbum] Xamã - FRAGMENTADO
O homem tá de volta! Eu realmente acho o Xamã um gênio e é muito bom vê-lo retornar à sua melhor forma: criativo e original.

[álbum] Papatinho - MPC (Música Popular Carioca)
O que o Papato fez aqui foi genial. Ele reverencia os primórdios do funk carioca e convida grandes nomes da nova geração para cantarem com os relíquias do segmento.

[álbum] Rubel - Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?
Rubão volta pro violão, foca na voz e na palavra. O resto você confere na nossa entrevista.

[álbum] Kyan e MU540 - DOIS Quebrada Inteligente
A parceria que já tinha dado super certo no volume um está de volta. Os beats do MU540 são loucura.

[álbum] Negra Li - O Silêncio Que Grita
A lendária MC lança seu primeiro álbum em sete anos e conta com boas participações de Liniker, Gloria Groove e Djonga.

[álbum] João Gomes - Do Jeito Que o Povo Gosta
João aproxima o piseiro da MPB. O disco conta com releituras de Arnaldo Antunes, Herbert Vianna, Paula Toller e Marisa Monte.

[álbum] HODARI - IRADOH
”Meu nome tem origem zulu e significa ‘dignidade’. E o disco continua contando a história de quem eu sou, mas de outra forma. Eu busquei traduzir isso em um título atrativo. Irado é uma palavra que a galera fala quando vê alguma coisa legal, uma palavra atrelada a energias boas”, explicou.

[álbum] Jadsa - big buraco
Belíssimas composições. Leia mais “No Radar”.

[álbum] Vários Artistas - Replay - Da Lama Ao Caos
Novas versões para um dos maiores clássicos da música brasileira e com protagonismo da galera de Pernambuco.

[álbum] Lagum - As Cores, as Curvas e as Dores do Mundo
"É um disco que tem um ponto de vista muito contemplativo e observador. As cores como diferentes temperamentos, timbres, gêneros musicais, tempos de música; as curvas como os imprevistos, a adrenalina; e as dores como um ponto de conexão universal", explicou.

💬 ENTREVISTA EXCLUSIVA
Rubel: nu com a sua música

crédito: Bruna Sussekind

Segunda-feira passada fui à audição de “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?” no Circo Voador. À primeira vista, senti que talvez não tivesse batido tão bem em mim, talvez por conta do grande espaço para um disco intimista, mas foi só reproduzir em casa, com quem amo, que tomou outra dimensão. Rubel tem uma sensibilidade ímpar, um violão que vai ganhando cada vez mais personalidade, assim como sua voz.

“Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?” marca sua “volta” pro violão, mas senti que a sua voz é co-protagonista, faz sentido? Como foi o trabalho de estudo, pesquisa e intenção?

Sim, na minha cabeça era exatamente isso. O violão protagonista, e a voz co-protagonista. O disco todo, de alguma maneira, está a serviço do violão: o canto, as cordas, os sopros, e as próprias canções.

Eu me considero um cantor razoavelmente limitado, mas um bom violonista. Nesse disco, queria explorar as diferentes maneiras que eu tenho de tocar, e aprofundar minha “identidade” musical - e sinto que ela está muito atrelada ao violão.

O trabalho de estudo e pesquisa é o da minha vida inteira, na verdade. Muita coisa que eu estudei e busquei desde a adolescência - quando me encantei pela bossa nova, pelo samba e pelo violão brasileiros - aparecem aqui, ainda que sem o sincopado desses ritmos. No disco tem um violão que é inspirado na forma do João Gilberto tocar, outro derivado da forma do Jorge Ben tocar. Mirando neles e errando, talvez eu consiga chegar em uma sonoridade e um jeitão próprio de tocar.

Mas, sem dúvida, a intenção era me aproximar dessa raiz do violão brasileiro, de uma inventividade harmônica que está sempre atenta a um tino popular. Essa relação para mim está no coração do que eu amo na MPB dos anos 70: relações harmônicas complexas, que estão a serviço de uma canção que é popular, aberta e facilmente cantável. Isso é um fenômeno particularmente brasileiro. Resumindo, é um disco de violão, esquisito e pop, calcado em acordes bonitos.

Na audição você deixou claro como se sentia nu (com a sua música) ao mostrar o álbum para as pessoas, mas acho que muitas vezes a beleza tá na vulnerabilidade, né? Percebo que seu público gosta disso. Em que medida esse é um esforço consciente - de se investigar e escrever sobre seus sentimentos mais profundos - ou eles simplesmente aparecem?

Nesse disco eu estava conscientemente deixando meu inconsciente pegar o volante. Se é que isso é possível. Parece um jogo de retórica, mas não é.

Eu fiz um esforço consciente para acessar um lugar mais profundo dos meus sentimentos e da minha cabeça. Tentei abrir na medida do possível a “tampa do inconsciente” e cavucar lá dentro o que existia de medo, de vergonha, de desejo, de vontade, sem julgamento.

De uma maneira mais prática, isso envolveu trabalhar com fluxo de consciência. Ter muito respeito pelas primeiras ideias brutas que vinham, aceitar as frases e palavras, sem passar por qualquer filtro racional. Eu jogava no papel tudo que me vinha, sem precisar entender nada. O bonito disso é que as ideias naturalmente vão se organizando e gerando uma coerência interna.

E nessa bagunça, surgiu espaço para esses sentimentos mais profundos aparecerem. Talvez porque eu não estava julgando demais, e nem tentando chegar a algum lugar pré-concebido. Eu só tentei expressar o que tinha aqui dentro.

Você assina inteiramente a produção do álbum, majoritariamente minimalista, mas tem seus momentos expansivos. Quais foram seus principais desafios ao exercer essa função?

Foi uma delícia exercer essa função. Eu sentia que assinar sozinho a produção ajudaria a chegar nesse lugar de autoria. De intimidade, como se a pessoa realmente estivesse no quarto me ouvindo tocar. Escolher o microfone, passar meses mexendo no som da voz e do violão, sem interferência de opiniões externas, me ajudou a chegar nessa “textura” sonora e afetiva.

O maior desafio talvez tenha sido encontrar o lugar da orquestra, das cordas e dos metais. Eu tive a sorte de contar com o Henrique Albino escrevendo, que, além de ser brilhante, foi muito generoso. Porque algumas músicas eu pedi pra ele reescrever do zero umas três vezes até chegar na emoção ou na estética exata. E em nenhum momento isso foi um problema. Ele estava muito aberto e perseguindo o som até o fim.

Essa parte foi bem desafiadora. Como o disco é muito delicado, se as cordas chamassem atenção demais, já ameaçariam esse “pacto” do voz e violão. E eu sou muito feliz com o lugar que o Henrique encontrou. Ele é genial.

Preciso falar do seu cover de “Reckoner” por vários motivos. Não só por ser a única de outro autor, internacional, mas porque me emocionou bastante. Tá linda demais, cara! Me conta como ela veio parar no disco e como conversa com as outras canções mesmo vindo de outro contexto.

Obrigado! Uma coisa que sempre me marcou foram os discos em que o Caetano faz versões de músicas estrangeiras ao violão. Especialmente o “Qualquer Coisa”, que tem algumas versões de Beatles. Isso tava ali bem guardado na caixa do inconsciente hehe

E o disco “In Rainbows”, do Radiohead, mudou minha vida quando escutei com uns 14 anos. Era uma forma muito diferente de abordar a música, a canção, a lógica de banda, os ritmos dentro do gênero do rock. Pirou meu cabeção mesmo. E isso ficou também guardado em algum lugar.

Em algum momento da gravação do disco, no home studio da minha casa, eu lembrei da existência de “Reckoner” (que eu não cantava há uns 10 anos), e ela veio rasgando com uma força emocional que raramente acontece em uma versão - é como se a música fosse minha. Tão minha quanto as outras autorais.

E eu sempre sonhei em cantar em falsete, mas nunca consegui. E acho que minha voz aprendeu nos últimos anos a fazer isso, então juntou a fome com a vontade de comer: a emoção dessa música que marcou minha vida, a possibilidade de cantar finalmente em falsete e um aceno a esse jeito de abrasileirar canções estrangeiras.

Enquanto eu escrevo isso aqui, me vem a sensação de que tudo nesse disco no fundo é sobre meu amor por esses caras. Ele é quase uma carta de amor aos meus ídolos. Porque qualquer coisa que você perguntar, dá pra traçar uma linha com alguma influência que eu tenho dessa geração da música brasileira dos anos 70. E essa relação para mim era meio impossível de articular antes, pela minha limitação musical. Mas dessa vez, depois de trabalhar dez anos com música, acho que essas janelas estão finalmente se abrindo, na construção das harmonias, na forma de tocar violão, na forma de cantar. Envelhecer é um barato.

📡 NO RADAR
Porque o novo sempre vem.

crédito: Liz Dórea

Mesmo em meio a tantos lançamentos incríveis não poderia deixar de comentar sobre “big buraco” da Jadsa. Depois do celebrado “Olho de Vidro”, de 2021, ela troca o experimentalismo pela objetividade. Gravado em somente sete dias, o álbum nasce quase que no improviso, bem visceral. São lindas composições e um “som com cara de rádio” - algo que ela queria. Neste novo trabalho ela faz saudação às grandes intérpretes da música brasileira, mas bota um pé no neo-soul, mas também nos sambas Rio-Bahia, o reggae, pop e até blues.

Salve! Aqui é o Pietro Reis, sou jornalista, pesquisador musical, influenciador e criador do Segue o Som.

Minha ideia com essa newsletter é reunir tudo de mais interessante que vem acontecendo no mundo da música e fazer o que mais amo, entrevistar. Sendo assim, toda segunda-feira você recebe um email com os melhores lançamentos da semana, um papo exclusivo, as principais notícias do meio musical e indicações.

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Revisão: Karoline Lima