SEGUE O SOM #42

Entrevista com Don L | Pente Fino | Brandão85 e mais...

SOS #42 | entrevistei o favorito do seu favorito

Tá incrível, não deixe de conferir!

🪮 PENTE FINO
Seleção dos principais lançamentos da semana.

[álbum] HAIM - I quit
O aguardado quarto álbum do trio californiano está na pista. O trabalho sucede o celebrado “Women in Music Pt. III” e traz nas letras o desapego do supérfluo para valorizar o tempo.

[single] Amaarae - S.M.O.
A música é irada, mas vocês precisam ver o clipe gravado em Gana, de onde a cantora tem descendência.

[álbum] Alberto Continentino - Cabeça a Mil e o Corpo Lentro
Álbum bem legal do baixista. Ele convoca diversas vozes femininas para o trabalho e toca ainda piano, teclados, synths, Rhodes, clavinete, Wurlitzer, percussão eletrônica e violão

[álbum] Brandão - ISSO É TRAP
“Posso dizer que essa mixtape é o trabalho de uma vida. Sem dúvidas meu projeto mais íntimo até então, por que são músicas que carrego comigo há bastante tempo e que agora encontram seu lugar no mundo”, conta

[single] Erykah Badu ft. The Alchemist - Next To You
A lendária cantora encontra o lendário produtor. Dificilmente o resultado seria ruim. Animado pro disco.

💬 ENTREVISTA EXCLUSIVA
Don L: “Ninguém quer só sobreviver”.

crédito: Bel Gandolfo

Não sei dizer a última vez que um álbum me marcou tanto. “Caro Vapor II - qual a forma de pagamento?” nasceu clássico. Bagunçou minhas ideias, me fez refletir e, acima de tudo, me deixou maravilhado com as músicas. O Don L fez de novo e eu fico muito feliz que ele tenha topado responder algumas perguntas. Aproveitem o papo porque tá incrível. Depois confere minha resenha sobre o disco.

Don, muitas coisas me chamaram a atenção no disco, mas o fato dele captar tão bem o espírito do tempo é impressionante. De que maneira isso foi um esforço consciente? Tipo, conciliar o que passa na sua mente e o que observa do mundo na hora de compor.

Acho que essa é talvez uma das principais características do meu trabalho, talvez por me sentir sempre não adaptado a um mundo onde cada vez mais é normalizado o absurdo e, ao mesmo tempo, malandro o suficiente pra também saber se adaptar ao fato de que não vou me adaptar nunca. A questão é como tirar sentido disso tudo e encontrar um caminho que faça a gente se reencantar pela vida quando toda hora tudo tende a se transformar numa corrida de ratos de laboratório.

Outra coisa muito interessante foi o lance de procurar ser decolonial na forma e conteúdo. Foi fácil ou difícil achar alternativas às fortes influências norte americanas e europeias, sobretudo por fazer majoritariamente rap? Me conta um pouco desse processo por favor.

Eu já vinha desenvolvendo isso desde que comecei na real, mas fui evoluindo o método, e acho que nesse disco tive condição de fazer coisas que não tive nos outros. O hip-hop é basicamente um método. Com ele você pode fazer qualquer coisa. O material que foi usado nos Estados Unidos foi o que eles tinham lá e que fazia parte da história deles. Eu troquei os materiais e acrescentei novas etapas, aperfeiçoei o método pro que eu queria.

Usei nosso ritmo, nossa bagagem cultural, nossos arranjos, nossa história. Mas é o que os pretos e imigrantes jamaicanos e latinos fizeram lá na gênese do bagulho, na periferia do império, com o material deles, antes de serem pasteurizados por uma indústria multi-bilionária que colocou eles também a serviço da colonização cultural norte-americana no planeta. Agora eles não são mais o que foram. Nós somos a periferia, o sul, e de onde vem as coisas mais interessantes.

Você chegou a dizer que a dúvida que fica no ouvinte do que é sample e o que é tocado foi proposital. Por que? E qual a importância da dúvida pra você?

A gente não precisa do sample mais, como um dia precisamos. Foi uma necessidade que se tornou estética, mas acima de tudo uma reverência, uma atitude de respeito a nossa bagagem cultural, aos que vieram antes. Hoje em dia a gente usa o sample quando quer realmente fazer uma reverência, trazer aquela sonoridade original, mas que a gente poderia produzir também com os recursos que temos hoje. Infelizmente as gerações passadas, e principalmente os herdeiros - que na maior parte do tempo não são artistas mas decidem sobre a obra dos nossos maiores artistas -, junto com burocratas de gravadoras e editoras, não entendem dessa forma, acham que quando usamos um sample eles estão fazendo um favor muito grande pra nós, que nossa criação depende deles, e querem ficar com uma parte muito alta e as vezes até a totalidade do fruto do nosso trabalho, por serem herdeiros de algo que eles nem sequer trabalharam pra construir.

No final a gente ajuda eles e torna coisas antigas legais de novo, traz de volta artistas que estavam esquecidos por parte do nosso público, porque a gente gosta e respeita, mas essa relação tem que ser recíproca. Eu posso fazer parecer um sample antigo, trazer essa atmosfera, e não ter um sample. A gente tem que passar a escolher reverenciar quem tem algum respeito por nós.

O volume 2 do Caro Vapor é menos hedonista que o 1, mas o sentimento de aproveitar a vida o quanto antes está muito ali. De certa forma me fez lembrar aquela frase do Simas: “Não se faz festa porque a vida é mole, mas pela razão inversa”. Faz sentido pra você? Pode comentar sobre esse desejo de viver em meio ao caos?

Exatamente, é a mesma energia que faz por exemplo o cearense ser um povo que é conhecido por seu senso de humor, muitas vezes chocante pra quem é de fora, pois a gente tira onda da própria miséria muitas vezes, da própria desgraça. São tecnologias de vivência, pra ir além da sobrevivência. Ninguém quer só sobreviver. O sistema de opressões que a gente vive rouba nosso tempo, nosso trabalho coletivo enriquece meia dúzia de pessoas, e querem que a gente volte pra casa depois de um dia difícil e vá dormir. Nos deixam exaustos, mas a gente sabe, no fundo, que não temos outra opção a não ser desobedecer essa ordem. E genialmente a gente inventa formas de vida que depois vão ser comercializadas e esvaziadas do seu propósito, só pra gente inventar outra depois e depois outra forma, inesgotavelmente até a nossa morte ou nossa liberdade.

Por fim, você propõe o exercício de imaginar um mundo utópico em meio a distopia como primeiro passo para o progresso. Você anda mais otimista ou pessimista? E por que?

Veja bem, aqui, no sul do mapa, nos trópicos, a gente não tem escolha de uma coisa nem outra. Eu soube que um europeu revolucionário uma vez disse que a revolução só poderia vir do pessimismo da razão e o otimismo da vontade. Em outras palavras, de um jeito tropical, a invenção do samba como forma de vida muito além da música que muitas vezes já era outra coisa mas todo seu desdobramento era basicamente a invenção de um Brasil pós-colonial. Foi combatido a bala, depois com malas de dinheiro. Mas tá lá o futuro, tá aqui agora o que ele não foi, tá presente pela ausência. Pode ser reinventado. E morto de novo. Não importa. É tudo que podemos ter pra hoje.

📡 NO RADAR
Porque o novo sempre vem.

crédito: Karl Berge

Revelado pro mundo pelo Matuê, Brandão85 é hoje uma das caras da 30PRAUM, gravadora do trapstar de Fortaleza. O jovem cantor lançou “ISSO É TRAP” na última quarta-feira e pensou em um projeto voltado para as ruas e com músicas que funcionam de forma independente. Entre as participações estão alguns dos principais nomes da cena: Jimyy, Jé Santiago, Che Ecru, Levianinn, Alee, Jovem Dex.

Algo que achei bem maneiro foi que o próprio quem mixou e masterizou o projeto. “Estava praticamente morando no estúdio nesses últimos meses (risos). Uma vez que decidimos que essa era a hora de reunir essas músicas em um mesmo projeto, eu senti muita necessidade de colocar o meu dedo, a minha identidade mesmo, na hora de masterizar e finalizar essas faixas”, revela.

Salve! Aqui é o Pietro Reis, sou jornalista, pesquisador musical, influenciador e criador do Segue o Som.

Minha ideia com essa newsletter é reunir tudo de mais interessante que vem acontecendo no mundo da música e fazer o que mais amo, entrevistar. Sendo assim, toda segunda-feira você recebe um email com os melhores lançamentos da semana, um papo exclusivo, as principais notícias do meio musical e indicações.

Siga minhas redes sociais abaixo!